quinta-feira, 19 de julho de 2012

V – RETORNANDO A 1836


Costa, o homem que me criou, tinha um empório muito grande, enorme mesmo, em que vendia vários produtos. Vendia tudo que podes imaginar: panos, muitas fazendas e etc.. As especiarias que comprava na África e no Oriente faziam muito sucesso: muito cravo, canela, noz-moscada, gengibre, uma série de temperos, iguarias e essências. Ele comprava muitos vasos de procedência oriental, muitos vasos mesmo e, quando enfatizo isso, adoro girar o dedão de minha mão direita aberta na palma da esquerda também aberta, simbolizando... tu sabes o quê. Para isto foi a Cádiz, era um próspero comerciante. Tinha título de Dom, era um homem bem-sucedido nos negócios e bem integrado na sociedade portuguesa por tal posição social.
Meu pai (deste eu já tentei lembrar o nome... Frederico Antunes Costa... era este... não! Este era o irmão dele, mas já que lembrei desse, logo, logo lembrarei do nome de todos), por ser comerciante, viajava fazendo compras. Passava tempos longe, comercializando na companhia de seu irmão e Judite. Foi quando ela conheceu o homem que mudaria sua vida, semeando seu ventre, o mourisco chamado Juan de Córdoba pelos seus consanguíneos instalados na Espanha.
Retornando à corrida do ano de 1836, os irmãos Costa tiveram de voltar a Cádiz, lugar de desembarque de suas mercadorias, como era de costume, para receberem e verificarem as mercadorias, levá-las para outros empórios e comerciá-las. Judite já se encontrava no porto acompanhando minha mãe, a esposa do Costa, porque esta era doente e fraca. Ela sempre ia e vinha com a senhora Costa. Fechava as quintas, casas e viajava. Costa e Frederico, meu tio, chegaram a Cádiz e ficaram um respeitável período. Naquele tempo que estiveram no porto e que ela também esteve, tomando conta e vendo as mercadorias para eles, os destinos se cruzaram.
Obtiveram a informação da existência de ambos quando Juan fez tomada sua passagem sitiando a cidade espanhola juntamente com sua tribo nômade. Essa se instalara há poucos dias nessa localidade para reunir-se com seus descendentes que lá habitavam e ao comércio. Ele pertencia a uma família que partira de sua terra natal, Marrocos, para a Espanha juntar-se aos seus demais, depois de esta terra ter sido, há muito tempo, conquistada pelos árabes e, posteriormente, reconquistada pelos reis católicos, dando fim a 800 anos de poderio islâmico.
Era uma tribo nômade amante da música e da alegria que em suas atividades itinerantes vivia em cabanas, circulando, passeando e comercializando seus produtos de ferraria e de artesanatos, a maioria de cobre, porém, principalmente, seus cavalos de raça. Os homens dela eram opulentos criadores e barganhadores de ginetes. A família era de maioria marroquina de origem árabe, possuindo como comunidade comercializante os povos e tribos do oriente, os judeus, franceses, espanhóis e portugueses. À finalidade de comércio, esses marroquinos estavam no sudoeste da Espanha, entre gaditanos, na região da Andaluzia, onde encontraram facilidade para se estabelecerem. Mas muitos cautelosos com a inquisição católica espanhola.
Juan era o futuro chefe do clã e da aldeia, era o morgado, mas não sei se era xeque. Minha mãe descrevia-o, dizendo que ele não era um branco-branco, mas que sim bem tostado pelo sol africano, possuindo olhos verdes e quase dois metros de altura. Continha sua tríade de honra conceituada pela tribo: era corajoso, leal e generoso. Ele tinha amor incrível por cavalos. Carregava consigo um lobo branco, era o seu cão, mas esse era um lobo mesmo. Certamente, só sei que Plutão era o meu, sem raça. Um amigo leal que não me largou quando jazendo estava... não me deixou no meu último momento.
Eles haviam se conhecido por coincidência visual, em certa ocasião, num dia qualquer, em que ela saíra ao empório numa alcaçaria. Desta forma, minha mãe e Juan se cruzaram no comércio. Para ele, ali foi o suficiente, tornou-se insano e atordoado, querendo, como criança quando berra e chora por alguma coisa, imediatamente saber quem era ela, mandando seguirem-na. A partir de então, começaria o enlace. Para mim, minha mãe conheceu mesmo o marroquino quando se deitou com ele, quarenta e três anos antes do dia doze de junho de mil oitocentos e oitenta e três. Eu não me lembro agora se ela me contou isso um dia... antes que te ou me perguntes, leitor (espero lembrar-me durante a nossa conversa). Consequentemente, minha mãe que era judia e negra do Sudão, por ela Juan, meu pai, apaixonou-se e desta frascarice eu surgi.
Entretanto, para a tradição tribal, esse mouro haveria de um dia desposar uma mulher da aldeia do seu clã, conforme sua tradição e cultura. Haveria de manter a linhagem. Ele sabia da rigorosidade disso; era o seu predestinado destino, desde o ventre de sua mãe, assim deve ser com o primogênito. Porém, procurava esquecer, enfim, estava inebriado. Judite, aos seus olhos, mitologicamente era a figura da Santa Sara, a serva sudanesa, cujo mistério está relacionado às “virgens negras” e que também está ligado à Kalí, a deusa negra da mitologia hindu.

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