quinta-feira, 9 de agosto de 2012

VII - PRIMEIRO ENCONTRO

É... no quinto capítulo, eu esqueci de desvelar que meu pai, de acordo com sua amálgama e descendência genealógica, era muçulmano de raça provavelmente impura, no entanto, deixei pistas no sexto. O povo de meu pai, que estava na África e que com ele foi para a Espanha, soube assimilar a religião maometana aos seus costumes, durante todo estado de sítio no Marrocos. Ele, um agareno não muito ortodoxo deixando a desejar um pouco uma religiosidade, por outra razão culminante (esta tem a ver com os originais índices sanguíneos dele que revelarei com o prosseguir da conversação) não poderia, de maneira alguma, enlaçar-se matrimonialmente com qualquer mulher que não pertencesse à tribo, sendo ela de qualquer credo ou prosápia que fosse. Ele tentou dissuadir, porém...
O fato real é que Juan de Córdoba já possuía a sua pretendente desde pequenino, pois, acordos firmados entre sua família e a de um tio longínquo exigiam um casamento cedo. Contudo, até a maioridade, não havia se casado e muito menos em tempo algum havia sabido quem ela fosse.
Meu pai tinha agregado a ele um homem de confiança, uma sentinela. À frente do assunto, verei se consigo lembrar do nome do amigo de Juan, inclusive, eu o vi em sonho (brevemente o contarei), sendo aquele que fazia tudo para ele, além de ser intérprete na Andaluzia, pois meu pai não falava espanhol. Meu pai mesmo era um homem intocável. Eu ainda não lembro o nome do clã... não lembro, mas deve ser alguma palavra parecida com “Eskalom”. Espera um pouco... caso não esteja ludibriado por minha debilitada memória, o nome dele era Vítor ou Igor... não lembro. Enfim, esse é quem o acompanhava, tomando conta de sua tenda e seus cavalos. Conheciam-se desde crianças. Era um mourisco, conforme ao modo de Juan e da aldeia. O filho único, digo eu do hipotético xeque, incumbiu-o de descobrir quem era aquela glamourosa, airosa mulher fatal e bela comerciante que não lhe tinha desviado o olhar, causando um embate efusivo no comércio. E quando, nesse exato instante, quase do seu ginete caíra hipnotizado pela aquela caríssima joia, se não fosse pelo auxílio de Vítor ou Igor sustentando-o acima do cavalo. Então, ela sorrira delicadamente, abaixara a cabeça e saíra. Respectivamente, perderam-se na multidão, tendo Juan conquistando a raiva dos transeuntes nos quais esbarrara com sua falta de atenção... perdão, com a atenção voltada a algo relevante.
Deslocados alguns dias, o homem de confiança (repito de confiança, pois, era sabedor de todas as inadimplências feitas pelo meu pai em relação às normas de seu povo no que tangia a conquistas amorosas), num seco e matutino dia, conseguira encontrá-la próxima ao lugar da primeira vista (não faço ideia do que ela estaria fazendo distante da casa e do empório do Costa a essa hora, espero que isto não importe a ti. Não te esqueças de que reconto uma história narrada a mim). Então a seguiu até o empório do Costa que não ficava distante das tendas de comércio da sua respectiva ascendência.
Horas depois de demarcar o local, Igor ou Vítor retornou ao empório português e lá somente estavam Judite e seu amigo judeu responsáveis pelo trabalho. Acredito que os Costas devessem ter saído para cear em casa. Então ele se achegou como um mercador interessado em tapeçaria. Quem o atendeu foi Jônatas. Com este, ele, com mil artimanhas a executar como uma felina que estando no cio foge do conforto da casa para encontrar saciedade com o primeiro macho que encontrar, perguntou a quem pertencia a propriedade comercial, quem era a mulher que trabalhava com ele, quais mercadorias eram manuais e se ela fazia-os. Resumindo, informou-se sobre toda a situação engenhosamente, e o judeu inocentemente deu todas as coordenadas a respeito de Judite. Disse, ao ingênuo judeu, que voltaria no dia seguinte para realizar a compra e saiu. No consecutivo, voltou no mesmo horário para que encontrasse os dois a sós com os demais empregados, mas sem os patrões, e de fato aconteceu. Por dias contínuos, vivenciou aquele lugar, tornando-se freguês e amigo de Judite.
Continuamente passando por mercador, pediu a Judite que o ajudasse a escolher um presente especial ao seu amo, um príncipe, emir da Arábia de quem a ela falara muito desde sempre, fato que logo seria desmascarado. Ela apresentou um belo tapete que havia acabado de fazer, em dias recentes, no seu tear como formosa aquisição para presente e ele o comprou.
Noutro dia, Igor (para não repetir os dois nomes toda vez que necessário, escolho esse) voltou ao comércio, sempre na mesma hora da primeira vez, com flores, incensos e um presente para Judite, em respeito à obra de arte feita por ela. Era um caduceu de cobre, símbolo de prosperidade e paz: um bastão com duas serpentes enroladas e com duas asas na parte de cima; em homenagem a sua competência comercial. E disse que seu amo adoraria conhecê-la. Ela adorou os agrados (essa passagem fez me lembrar de que ela tinha um fascínio por qualquer animal que rastejasse e em queimar uns pós que até hoje eu não sei o que eram). Assim, convidou-a para uma festividade há duas luas breves organizada pelo seu povo antes de prosseguirem para Córdoba (onde uma fascinante cultura hispano-marroquina surgiu), pois este seria o lugar a Juan fazer moradia no ocidente e por seus antepassados serem de lá. Judite, como atônita ficou com os inesperados presentes, aceitou o convite dizendo que iria com Jônatas, mas que não ficaria muito tempo, pois tinha os seus afazeres na casa Costa.
Chegado o dia festivo, ao anoitecer, Igor buscou e levou-os ao acampamento agareno amando de Juan de Córdoba.
Naquela alegre noite, a tribo comemorava na primavera a Lua Cheia, isto porque, para esse povo, o destino está escrito nas estrelas – Maktub. Em volta a uma fogueira, espanholas dançavam flamenco para o visitante Juan ao som de alaúde e de palmas. Dançavam também uma música folclórica, do norte da África, a marroquina Chikhat. Tocavam um instrumento similar a um pandeiro. Para comer na ágape, não faltavam iguarias: assados, frutas cítricas, mel, maçãs, pêras, damascos, uvas, ameixas, enfim, muitas frutas, até do mar. E tudo isso regado a muito vinho e alegria. A fogueira aquecia os corpos e as choupanas ao frio ar livre noturno. A tudo isso a sudanesa, que estava com Jônatas a tiracolo, mostrava-se perplexa e admirada. Ficou mais ainda quando foi apresentada a Juan, quem vira a dias no comércio, mas que já bastara para se apaixonar por ele. Assim me disse.
A partir de então voltaram a se encontrar com deveras frequência.

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