Leitor,
és o físico e eu, o metafísico. Nestas condições deve ser de frágil compreensão
o que passei em minha vida, por todas as disposições que me dispôs,
principalmente pela tez de minha pele.
A
concepção racial de minha época áurea na tua dimensão define-se desta forma: se
não é branco ou amarelo, é negro. Conheces outra raça, caro leitor? Caso me
visses agora, se me materializasse, verias que não sou branco nem amarelo.
Sabes o que é cacau e o que se faz com isso? Sua cor é o marrom e assim é a
minha tez de pele e de minha mãe.
Há
alguns muitos anos, existiam duas coisas: o branco e o negro. O pardo passou a
existir na Nova França. Não encontrarás em lugar algum do mundo...
ninguém... escrito num registro pardo. Somente nesse maldito país. Há a
raça amarela, a raça branca, a negra... qual outra conheces? Não existe raça
parda! Isto é uma maldição desse país! Se o indivíduo não é branco ou amarelo,
é negro.
Meu
pai Costa pensou melhor que eu seguisse a carreira de Bacharel em Direito. Então foi
a minha formação acadêmica em
Coimbra. Nessa época em que vivi e estudei, as pessoas que
compunham a sociedade intelectual e política da burguesia dividiam-se em dois
grupos: a parte dos prosadores romancistas, que foram aqueles que mais tiveram
destaque; e os que partiram para o lado do lirismo, que não foram tão felizes
tanto quanto aqueles. Isso pois o povo vive, até o dia de hoje, de histórias.
Toda história que trata da vida cotidiana, do que aconteceu, buscando a
verossimilhança, de alguma forma, é a de maior sucesso. A identificação do
corriqueiro, com busca da realidade, representação, purifica e emociona os
leitores – e bem sei que minha história não segue tais paradigmas! No entanto,
foi uma época, indiscutivelmente, dominada pela poesia. Conheci muitos desses
poetas.
Agora,
não penses que foi fácil para eu estudar nesse meio, pois não foi. Não foi
fácil pela questão... minhas características físicas, maneira conforme eu era,
pois, por essas qualidades, sempre fui visto, digo em primeira instância, à
distância. O dinheiro fala mais alto e o do meu pai judeu falou vorazmente,
retumbantemente.
A
falsidade era muito grande. Muitos deles que estudavam em Coimbra não tinham
nem o que comer. Às vezes, chegava-se em determinados lugares nos quais se
representava, declamava-se, recitava-se para ganhar algum dinheiro. Eu não! Não
precisei fazer isso. Muitos deles ajudei. Precisaram do meu dinheiro. Então era
o amigo que mais queriam. Nos albergues, nas estalagens às quais fossem, bebiam
desenfreadamente; era uma época de ostentação de luxo, de luxúria. Em muitas
dessas vezes, nas quais bebiam, bebiam, bebiam e... bebiam, todos eram presos.
Não tinham nada, nenhuma meia pataca para pagar o alto consumo e retomar a
consciência perdida pela embriaguez.
Essas
mesmas pessoas e outras não eram tão limpas, requintadas, conforme podes crer.
Já te disse que na corte limpava-se a mão suja no gibão? Comia-se de mão suja
igual a bicho doméstico. Bebia-se muito em taças de cobre e essa aniquilava a
vida de muitos com muita facilidade. O vinho conseguia, durante um bom período,
corroer o cobre e, assim, as pessoas o ingeriam. Depois disso tudo, é fácil
imaginar do que as masmorras viviam cheias e que a mendicância era enorme.
Apesar
de estar numa cadeira distinta da deles – fiz Direito e muitos, Medicina, Letras
e Arte – encontrarás pessoas formadas daquele tempo, sendo da minha área
juntamente com os de Filosofia e dessas outras.
Eu
nada escrevi. Um romance, um conto, uma novela, uma poesia, não escrevi nada.
Por isso e por não querer viver naquele mundo de lirismo, vim para o Brasil
colocar o pobre na cadeia e o rico em liberdade. Colocar
o inocente na prisão e o culpado do lado de fora das grades, desde que tivesse
dinheiro, me pagasse muito bem e adiantado.
Aprendi
na Europa que o homem vale pelo que tem e possui. Nesse lugar, naquela época,
havia um ditado: “o hábito faz o monge”, dessa forma, o homem é aquilo que
veste. Costumava-se dizer que a primeira impressão é a que fica. A elegância é
primordial.
Vivi
com muitos deles nessa época, contudo, o que lhes disse, repito a ti: não eram
tantos meus amigos, tinham uma cadeira e eu, outra. Convivi mais com os que
vieram para aqui ou que já estavam. Com os de lá, curto foi o tempo de
convívio. Tão logo me formei, fui-me embora exercer minha carreira.
Dessas
amizades de Portugal e Brasil, posso falar, contudo me restrinjo a dizer que
vivi numa época contemporânea a pessoas nas quais me atenho a poucos nomes como
Eça de Queiroz, Gonçalves Dias, José de Alencar, Maximiliano. Falsos e
demagogos. Não gosto de Alencar; era a favor de uma pseudo-libertação dos
escravos de forma gradativa, que merda é essa?! Diziam que Machado era um negro
embranquecido, hipócrita; só escrevia para a burguesia, exatamente assim.
Castro Alves, o poeta da liberdade, esse me apetecia. Entrementes, esses
escritores citados, no que diz respeito à escrita e suas obras, em sua maioria,
foram muitos talentosos.
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